terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

# MENSAGEM DO ARCEBISPO DE OLINDA E RECIFE - DOM FERNANDO - SOBRE A CF 2015 E QUARESMA

Celebração de Cinzas e abertura da Campanha da Fraternidade 2015

18 Feb 2015 | Categoria: Palavra do Arcebispo
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Brasão_Dom_Saburido
Arquidiocese de Olinda e Recife
(Jl 2,12-18; 2Cor 5,20-6,2; Mt 6,1-6.16-18)
Caríssimos irmãos e irmãs,
Na alegria de iniciar mais uma Quaresma, escutemos de corações abertos o apelo: “Convertei-vos e crede no Evangelho!” Forte apelo para acolhermos o Evangelho como de fato é: “Boa Nova da Salvação”, capaz de dar novo rumo e renovado sentido à nossa vida, muitas vezes sem perspectiva ou motivação. Estes 40 dias de retiro espiritual que a quaresma nos proporciona a cada ano, nos asseguram a misericórdia de Deus diante de gestos sinceros de arrependimento e disposição de mudar, conforme nos ensina o profeta Joel na 1ª leitura: “rasgai o coração e não as vestes; e voltai para o Senhor vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo”. A Quarta-feira de Cinzas propõe uma espiritualidade baseada no despojamento de nós mesmos (o jejum), na solidariedade para com todos os irmãos e irmãs (a caridade) e no aprofundamento da nossa intimidade com Deus (a oração). O Evangelho, que hoje nos ensina a prática dessas atitudes, também nos adverte que tudo deve ser feito com presteza e discrição, no propósito de ser visto, apenas, pelo Pai que está nos céus. “E o teu Pai que vê o que está escondido, te dará a recompensa”, palavra que escutamos três vezes neste pequeno texto de Mateus.
O mundo de hoje está cheio de ilusões enganosas, cuja segurança está posta em valores passageiros. As pessoas sentem necessidade de autoafirmação, de serem vistas, reconhecidas e aplaudidas. Estas atitudes contradizem a Palavra de Deus que nos convida à imitação “Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus”, (2Cor 5,21) conforme afirma São Paulo na segunda leitura que escutamos. Mistério que celebraremos no tríduo pascal, e ao qual devemos responder com igual gesto de amor e perdão para com os nossos semelhantes, especialmente para com aqueles/as que nos ofenderam.
Neste ano de 2015, celebramos os 50 anos da conclusão do Concílio Ecumênico Vaticano II. Foi exatamente essa a motivação para a realização da Campanha da Fraternidade com o tema “Fraternidade: Igreja e Sociedade” e o lema “Eu vim para Servir” (cf Mc 10,45). Com essa escolha, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) quer mostrar a atualidade de um documento que, há cinco décadas, vem ecoando por todos os recantos do mundo. Mais que uma instituição juridicamente estruturada, o que não deixa de ser, a Igreja, conforme declara o Documento Conciliar Lumen Gentium (A Luz dos Povos) é um imenso “Povo de Deus”, presente entre os povos e nações de todo o mundo, não se sobrepondo a eles, mas inserindo-se neles, como sal na comida ou fermento na massa (cf Mt 5,13). Portanto, como afirma o cardeal Odilo Scherer em seu artigo sobre a CF 2015: “a identificação pura e simples da Igreja com os membros da hierarquia é insuficiente e inadequada; ela é comunidade de todos os batizados, feitos discípulos de Jesus Cristo e testemunhas do Evangelho”. A Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje Gaudium et Spes(Alegria e Esperança), nos convoca, por sua vez, a assumir como nossas “as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias da humanidade de hoje, sobretudo dos pobres e de todas as pessoas que sofrem, pois essas são também as alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos e discípulas de Jesus (GS, n 1). Concretamente, isso vem acontecendo através das inumeráveis ações sociais da Igreja nos âmbitos da educação e da saúde, através das nossas estruturas: dioceses, paróquias, congregações religiosas e associações de fiéis leigos e leigas.
Por que escolhemos esse lugar para o lançamento desta Campanha da Fraternidade? Estamos no carente bairro dos Coelhos, ao lado das ruínas do Movimento Pró-Criança (da Arquidiocese de Olinda e Recife). Também neste bairro funcionam várias outras instituições ligadas, direta ou indiretamente, à Igreja Católica como: Organização de Auxílio Fraterno – OAF; Casa de Frei Francisco ou Instituto Dom Hélder Câmara; Comunidade Boa Nova que realiza um belo trabalho com dependentes químicos; Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), instalado em edifício de propriedade da Santa Casa de Misericórdia que, por sua vez, congrega várias frentes de trabalhos sociais e filantrópicos. Temos ainda outras ONGS com sede neste bairro. Todas essas organizações visam a educação, profissionalização, saúde, lazer, cultura e cidadania de crianças, jovens e adultos carentes e que são tratados como verdadeiros filhos e filhas de Deus. Trata-se de iniciativas voluntárias, inteiramente gratuitas, feitas com amor e que comprovam aquilo que a CF-2015 nos apresenta: “a vocação libertadora da Igreja em vista da construção de uma sociedade renovada”. É dever da Igreja, exercer sua missão profética de defender a justiça e lutar pela igualdade; e por outro lado, ir ao encontro dos carentes, oferecendo-lhes conforto espiritual e vida nova pelas vias da assistência elementar básica, motivando e suprindo lacunas de governantes omissos, primeiros responsáveis na promoção do bem estar da sociedade. Nos últimos tempos, os ministérios certificadores na área da assistência social, saúde e educação vêm pressionando o Terceiro Setor, no que diz respeito à concessão ou renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS, demonstrando falta de reconhecimento e vontade limitada de estimular as ações sociais da Igreja. Basta ver a quantidade de escolas religiosas ou hospitais filantrópicos, que fecham as portas por não ter condições de atender às tantas exigências, além da concorrência insuportável dos empresários da educação e da saúde.
A Campanha da Fraternidade ao longo dos seus 52 anos de existência tem nos motivado a viver a quaresma nos âmbitos: espiritual e pastoral. A aplicação do tema motiva ao compromisso e solidariedade, conforme ensina o Apóstolo Tiago “De que adianta alguém dizer que tem fé quando não a põe em prática? A fé, se não se traduz em obras, por si só está morta” (Tg 2,14a;17). Sobretudo, nas últimas décadas, as Campanhas da Fraternidade apresentam temas da maior atualidade social e relevância, provocando o debate e apresentando ideias que possam conscientizar e beneficiar a sociedade diante de questões emergentes que exigem mudança de postura. O Objetivo Geral da CF 2015 é “Aprofundar, à luz do Evangelho, o diálogo e a colaboração entre Igreja e a sociedade, propostos pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, como serviço ao povo brasileiro, para a edificação do Reino de Deus”.
Segundo o texto-base da CF-2015 a urbanização da sociedade brasileira foi muito rápida. Em 1940, a população urbana era restrita a 31%; em 1960, a 45%, e hoje está em torno de 85%. Cerca de 44% dos brasileiros vivem em regiões metropolitanas. Esta rápida urbanização caracterizou-se pela falta de planejamento e resultou em sérios problemas como: favelização, poluição, violência, drogadição, enchentes, mobilidade e precárias condições sanitárias. As pessoas concentradas nas periferias tendem a ser mais afetadas com essas situações. A rápida urbanização da sociedade brasileira, com inchaço das cidades e surgimento de grandes regiões metropolitanas, não foi acompanhada de adequadas políticas de moradias. A favelização retrata desigualdades socioespaciais. Mais de 50% dos domicílios do Brasil não tem coleta de esgoto e, do coletado, menos de 40% recebem algum tratamento. (TB 43 a 45). É diante de preocupantes dados estatísticos como esses que a Igreja procura exercer sua missão profética. Buscando viver a partir do Evangelho, os cristãos propõem um modo de conviver, que não exclua ninguém. As comunidades católicas deverão ser sempre ativas quando se trata da prática da justiça, da participação política, inclusive partidária, (através dos leigos e leigas); da convivência, do cuidado, da solidariedade, da caridade, da autonomia, do acolhimento. As comunidades católicas profundamente ativas na sociedade não se deixarão tomar pela “globalização da indiferença”. Saberão chorar com os que choram e rir com aqueles que riem, conforme nos ensina o Evangelho.
Concluo, lembrando o papel da família como primeira escola das virtudes sociais. “A família é a primeira escola dos valores sociais de que a sociedade tem necessidade. O direito-dever educativo dos pais é essencial, ligado como está à transmissão da vida humana. O dever de educar é original e primário dos pais, pela relação de amor que subsiste entre pais e filhos e não delegável totalmente a outros ou por outros usurpável” (TB 179). Por essa razão, é também dever da sociedade, através de seus representantes legais, garantir o direito das famílias reconhecendo-as como “células primárias da sociedade”. Assim deve-se assegurar a sustentabilidade e proteção legal da família. O papa Francisco afirmou recentemente que a família, fundada no matrimônio entre o homem e a mulher, é um “centro de amor”. Nela deve reinar a lei do respeito e da comunhão, que deve ser fortalecido a fim de que seja capaz de resistir ao ímpeto da manipulação e da dominação da parte dos “centro de poderes mundanos” É no coração da família, diz o papa, que a pessoa se integra com naturalidade e harmonia a um grupo humano superando a falsa oposição entre o indivíduo e sociedade (TB 187).
Desejo a todos um feliz tempo quaresmal e que esse período motivador para a conversão nos prepare para celebrar com amor e dignidade a Páscoa de Jesus e nossa, fazendo amadurecer e crescer, sempre mais, o diálogo e a verdadeira fraternidade entre Igreja e sociedade.
Amém.

                                    Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife

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