“Já lhe foi explicado o que é bom e o que Deus exige de você: é apenas que pratique a justiça e o direito,amar a misericórdia e, com simplicidade, caminhar com Deus” (profeta Miquéias 6, 8).
Queridos irmãos e irmãs da nossa arquidiocese,
terminada a Copa do Mundo começa agora, com maior intensidade, a campanha eleitoral. Como pastor desta Igreja, que juntos constituímos, me sinto no dever de partilhar com vocês algumas preocupações e propor critérios para a nossa participação como cidadãos/ãs e como cristãos/ãs nesse importante momento do país.
Há cristãos que ainda pensam que a fé possa ser desligada da realidade concreta. Se nos desinteressamos pelo processo político, corremos o risco de deixar a Política nas mãos dos que não buscam o interesse comum. Como afirmou o papa Francisco: “Apesar de se notar uma maior participação de muitos (cristãos) nos ministérios laicais, esse compromisso (de fé) não se reflete ainda suficientemente na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e econômico. Limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem um empenho real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade” (EvangeliiGaudium, n. 102).
Graças a Deus, no caminho ao qual o papa Francisco nos chama, a nossa arquidiocese tem uma longa e bela caminhada que devemos honrar e aprofundar cada vez mais. Desde que, há 50 anos, Dom Helder Camara chegou como pastor de nossa Igreja arquidiocesana, cada vez é maior o número de cristãos que descobrem que nossa vocação batismal nos chama a ser testemunhas do reino de Deus nesse mundo, pelo esforço de transformá-lo. Já nos anos 60, o papa Paulo VI ensinava que a nossa caridade deve ter uma dimensão política. Concretamente, ela se expressa no cuidado com a coisa pública e em uma educação crítica que nos ajude a compreender melhor a realidade e a discernir nela o que Deus pede de nós como cidadãos e como discípulos de Jesus.
Desde a 2a Conferência do Episcopado Latino-americano em Medellín, Colômbia, (1968), a nossa Igreja se comprometeu a se colocar como serviço à causa da libertação integral de toda a humanidade e de cada pessoa por inteiro (Med 5, 15). Por isso, nossa Igreja desenvolveu diversos setores de pastoral social, cujo objetivo é servir, de maneira especial, a todos os empobrecidos do campo e da cidade. Inseridos na medida do possível, na caminhada dos movimentos sociais, queremos colaborar com a transformação da sociedade. É com esse horizonte que lhes escrevo. Tendo feito algumas observações sobre nossa motivação evangélica e espiritual a partir da qual devemos atuar, sugiro agora algumas considerações sobre o momento atual em que vivemos eproponho algumas pistas concretas de ação para a nossa participação nesse processo eleitoral e mesmo depois.
1 – Um olhar rápido sobre a realidade.
Na análise da conjuntura que a CNBB ofereceu em seu site no mês de abril passado, se afirmava que, para essas próximas eleições, se descortinam duas tendências. Uma é dos que querem garantir a continuidade das conquistas sociais e daquilo que consideram serem mudanças realizadas pelo governo nessa última década. Outra é a das pessoas e candidatos que dizem lutar por mudanças profundas do país e do governo. O importante é discernir se esses políticos que propõem mudanças o fazem a serviço da melhoria de vida da maioria da população ou se pensam apenas neles e na elite social a que pertencem.
Em geral, é a população que sofre no dia a dia as precárias condições dos serviços públicos de saúde, de educação e do transporte inadequado. Em nossas cidades precisamos de mudanças profundas na organização e serviços à sociedade. Não podemos nos iludir de que tais transformações dependam apenas de pessoas a serem eleitas. É a própria organização social e política do Brasil que está em questão.
2 – Critérios que poderão ser úteis para participarmos bem dessas próximas eleições:
1o – Como dizia em recente campanha educativa de várias entidades: “voto não se vende, nem se negocia” ou “voto não tem preço, tem consequência”. O voto deve ser dado conforme nossa consciência e não por qualquer outro motivo, como parentesco, apadrinhamento, interesse de emprego ou qualquer outra razão.
2o - Em um regime de eleições proporcionais como é o caso atualmente, queiramos ou não, o voto é dado em primeiro lugar ao partido do candidato e somente vai para o candidato escolhido, se o partido tiver o necessário quociente eleitoral. Essa é a legislação em vigor. Assim sendo, mais ainda, é importante que a nossa escolha seja consciente por concordarmos com o que aquele partido escolhido por nós propõe como programa para o país.
3o – É comum que as campanhas sejam feitas na base de promessas e propagandas, muitas vezes sedutoras e enganosas. Devemos sempre analisar o interesse dos meios de comunicação de massa e também a vida anterior dos candidatos em questão, para discernir se as promessas feitas agora correspondem ao que ele tem feito e se não se trata de propaganda enganosa.
4o – Nenhum candidato é perfeito ou preenche todas as condições desejáveis. Às vezes, o candidato tem propostas que nos agradam no plano da moral pessoal e institucional. No entanto, está ligado a interesses dos grandes latifundiários na concentração de terra, na oposição à Reforma Agrária e à demarcação de terras indígenas. Apresenta-se como cristão tradicional, mas não tem posição clara em relação à defesa da vida desde sua concepção até seu fim natural. Para resolver o problema da violência urbana, propõe a diminuição da idade penal, é a favor da pena de morte e assim por diante. Temos sempre de julgar no conjunto e não vendo apenas um aspecto.
5o – O cristão vive, pensa e age a partir de sua fé. A fé o conduz a trabalhar pelo bem comum. Isso requer organização e participação cidadã. É preciso discernir os partidos e candidatos a partir dos seus princípios éticos, sociais e religiosos e se estão dispostos a colaborar para o avanço.
3 – Um olhar para além das eleições de outubro
Devemos participar de forma justa e lúcida nessa campanha, assim como participar corretamente dessas próximas eleições. No entanto, para não sofrermos mais decepções, é importante relativizar esse processo eleitoral e sabermos como nos conduzirmos para além desse momento. Atualmente, a parte mais sadia da sociedade brasileira e dos movimentos sociais têm consciência de que sem uma profunda Reforma Política não conseguiremos vencer a corrupção e estabelecer as bases profundas de uma sociedade mais justa e igualitária. Para isso, a CNBB, OAB e várias outras entidades da sociedade civil propõem um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, visando elementos necessários para uma reforma política. Os movimentos sociais organizados preveem para a Semana da Pátria a realização de um Plebiscito Popular no qual o povo brasileiro será consultado se deseja a criação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para a Reforma Política e Soberana.
Como cristãos, devemos apoiar e participar dessas iniciativas que visam a transformação justa da sociedade e da organização do Estado. Como escreveu São Paulo: “Estejam atentos para a maneira como vocês vivem. Não sejam ingênuos, mas pessoas sensatas. Aproveitem bem o tempo, porque esses dias são maus… (Em meio a essa realidade), procurem compreender a vontade do Senhor” (Ef 5, 15 e 17).
Concluo recomendando a leitura da carta dos bispos do Brasil, que se encontra no site da CNBB (www.cnbb.org.br), aprovada na última Assembleia Geral em Aparecida-SP, cujo título é: “PENSANDO O BRASIL: DESAFIOS DIANTE DAS ELEIÇÕES 2014” (Desafios da realidade sociopolítica).
Deus os/as abençoe e os/as ilumine nesse caminho.
Dom Antônio Fernando Saburido
Arcebispo de Olinda e Recife